A arte de curar é mais antiga do que a escrita, a filosofia e a ciência. Ela se originou do altruísmo, do amor ao próximo e da vontade de ajudar.
A medicina antiga começou com a ligação da pessoa com o sobrenatural, em que as doenças eram atribuídas a demônios, e na busca da cura era necessário a expulsão desses espíritos. Na Suméria e no Egito por exemplo, os reis eram sacerdotes e consequentemente os primeiros médicos. Já naqueles tempos os doentes tinham confiança e segurança em seus médicos (sacerdotes, reis, deuses). Este ator que persiste até a moderna medicina embora desprezada em função da tecnologia.
Coube a Hipócrates, o sistematizador, o organizador, o PAI DA MEDICINA separar as doenças dos desejos dos deuses ao afirmar que a “epilepsia não era uma doença divina, mas do cérebro”. Ainda Hipócrates sistematizou o denominado “método clínico” que fundamentou toda a atividade médica válida até hoje, e que consiste no que é ensinado nas boas escolas de medicina, e relembrado pelos verbos: ouvir, observar, apalpar, percutir, sintetizar os achados e concluir. Para tal torna-se necessário conhecer e utilizar a propedêutica e a semiotécnica. Ele instituiu a honestidade na medicina, e acreditava que impressionar os pacientes era dolo, recusando-se a tratamentos desnecessários.
Na Idade Média os conhecimentos médicos e terapêuticos eram de propriedade exclusiva da igreja católica, que preservou os textos antigos nos mosteiros. Tem-se poucas informações a respeito da medicina da época. A exceção se dava com os médicos do oriente, como os árabes. Neste período não se tem muitas notícias da medicina oriental. Chama atenção que a China tem pelo menos 7.000 anos, os chineses devem ter fundamentos para a sobrevivência do seu povo.
Após a Idade média, na idade Moderna com o início das ciências como a anatomia, a patologia, a histologia (com o microscópio), a “ visão “ dos microorganismos, a medicina adentrou no período em que a tecnologia tentou fazer a medicina mais técnica, mais científica, afastando-a cada vez mais dos aspectos humanísticos em prol das características mais presentes e coincidentes com os achados técnicos.
Tivemos então todo o final do século XIX e século XX, em que cada vez mais a medicina se afastou dos seus princípios humanísticos e hipocráticos em favor da tecnologia, que é importante na aquisição de informações que possam facilitar a execução dos procedimentos. Com isto tornou-se mais técnica e menos humana, menos humanista. Cuida-se de um corpo, ou de uma região dele com sua fisiopatologia, separada dos sentimentos e emoções.
Atualmente os médicos dedicam-se a conhecimentos cada vez mais especializados e tecnologias sofisticadas, esquecendo da empatia e da compaixão pelo paciente. A tecnologia não pode ser mais importante do que o ser humano. O impressionante crescimento da tecnologia foi assimilado de maneira inadequada, e o que era complementar tornou-se principal.
A empatia é que traz a confiança e creditação na conduta médica. Esquecer das dimensões psicossociais transforma o médico em técnico de doenças.
No final da década de 80, na primeira versão do exame de proficiência dos egressos das escolas brasileiras realizado pelo CREMESP, a maior conclusão foi a deficiência da Relação Médico Paciente, instrumento básico do exercício da Medicina.
Mas em tempos atuais de “Corona”, com a desestruturação, medo e isolamento das nossas vidas, voltamos a aproximar-nos ou isolamo-nos por medo? Retornamos aos tempos hipocráticos? Valorizamos mais a pessoa, humana, com todas as características que tiveram por milênios? É o paradoxo.
Neste momento em que mais precisamos do contato, da compreensão pelo afastamento social e pelo isolamento pessoal (introversão, reflexão, revivescia da vida frente a possibilidade real da morte), os médicos que nos tratam é que trazem o acolhimento que necessitamos.
E temos uma certeza, a humanidade sobreviverá …assim como a medicina… assim como os médicos… novamente os responsáveis pela sobrevivência das pessoas…independentemente do desleixo, do desprezo dos gestores…com o qual os políticos historicamente nos tratam.
Celso Codorniz