A medicina tão antiga como o próprio homem, talvez a mais antiga a ter estatutos próprios, normas próprias e formas próprias de convivência, e que perduram há pelo menos 25 séculos como preconiza um dos mais antigos documentos médicos que foi a exortação de Hipócrates aos novos médicos, e que posteriormente foi imortalizado como o Juramento de Hipócrates…tantas vezes mudado mas sem perder o cerne, que é o respeito pelas pessoas e porque não para com os colegas.

Assim chama a atenção como vem sendo tratado os colegas de um estabelecimento de saúde da cidade, um dos maiores da região centro-oeste, quiçá do Brasil. Estabelecimento este idealizado, construído e sustentado inicialmente pela população da cidade, desde o carroceiro até o mais abastado pecuarista ali deram a sua contribuição.

Este estabelecimento viu passar diversas gerações de médicos cujo objetivo principal sempre foi o de exercer suas atividades em beneficio da população e das pessoas .

Para isto acorreram os filhos da casa, da terra e convidados para então servirem à população o que fez com que Campo Grande ficasse conhecida como a cidade em que as pessoas eram tratadas como pessoas, em que a medicina era uma boa medicina, baseada nas boas práticas médicas e com isto uma medicina genuinamente humana.

 

Foi um tempo em que a medicina era exercida com amor à arte e às pessoas. Todos os médicos se conheciam e se respeitavam. Quando um médico adoecia, ou passava por dificuldades a comunidade médica se reunia e com frequência conseguiam resolver os problemas

Mas,

Os tempos mudam, os anseios se modificam, os objetivos se transformam e principalmente a tecnologia explode, influenciando e transformando tudo, inclusive o relacionamento pessoal. É como se a tecnologia pudesse substituir a pessoa, e pior ainda, a convivência também tende a ser o relacionamento de pessoa para pessoa, técnica para técnica, informação emitida buscando a recepção de uma forma mecânica, fria e desumana…

E a quem isto tem mais afetado dentre os médicos? São os médicos mais novos, alguns vindos de fora, com a certeza de um novo eldorado, onde seria fácil ganhar e onde teria que se confrontar com médicos velhos e velhos médicos sem tecnologia…sem…

Mas o médico que é médico, continua estudando sempre, sempre se atualizando e com isto é uma das profissões que os seus entes se retiram da vida profissional o mais tarde possível.

E vem outro embate. associado à ordem tecnicista, vem também talvez a característica prejudicial dos jovens tecnicistas que é a pressa além da superficialidade das histórias clínicas, da superficialidade ou não existência da relação médico paciente e principalmente a superficialidade no relacionamento entre colega mais novos e os mais antigos, num cruel desrespeito à história da medicina e dos médicos.

Há a piora quando a convivência se dá num estabelecimento criado pela comunidade e que décadas mais tarde se vê açodada por uma diretoria leiga cujo função principal é a de auferir lucros, mesmo que seja em detrimento da história do estabelecimento e de seus profissionais.

Busca-se o apoio das gerações mais novas, ávidas pelo sucesso representado pelos vencimentos, pelos carros de luxo e que com isto passam por cima de toda uma história institucional, profissional, pessoal e ética em busca do sucesso não medido em pessoas cuidadas, mas sim do que se pode economizar mesmo às custas de condutas que até podem ser legais, mas na medicina são imorais e antiéticas.

Alguns exemplos como o fechamento do Serviço de Psiquiatria com os argumentos falsos de que dava prejuízo e privou a população de um serviço necessário, essencial e em falta para a região. Não serviu de nada todo o histórico de atualização e humanização do tratamento. Mas com o argumento falso fez a população perder um dos poucos serviços de excelência no tratamento das doenças mentais.

Mas quem aceita ser o algoz de tais medidas? Só poderia ser algum “colega” novo, tecnicista ávido por afastar médicos antigos e garantir o funcionamento dos novos equipamentos.

Assim vimos um diretor técnico, nomeado pela administração, que dá apoio e incentiva a egressos recentes dos programas de residência a “desbancarem” os professores mais antigos, mesmo que a chefia do serviço tenha sido exercida, pelo seu professor até poucas semanas antes…

O dito diretor técnico frente à reivindicação do serviço de neurocirurgia, encontrando com o chefe do serviço, (escolhido pelos seus pares), simplesmente o “destituiu” da chefia do serviço e o entregou a um ex-aluno, recém-terminado de fazer o Programa de Residência em Neurocirurgia…que aceitou sem titubear. E o velho e antigo professor, ainda hoje continua a dar aulas e tentar formar novos neurocirurgiões…

Logo depois novo episódio. Desta vez tendo como vítima uma antiga componente do corpo clínico, com décadas de bons serviços à população, ao hospital, aos estudantes…criadora do Programa de Residência Médica em sua especialidade, Coordenadora da COREME…continuando a exercer as suas atividades. Encontrou-se com o referido diretor e ao reinvindicar melhores condições para a Residência Médica, e protestando contra o fechamento de alguns programas, estupefata, recebeu a seguinte resposta:

            …”Dra. a Sra. não precisa fazer mais…vá para a sua casa de dedique-se a cuidar dos seus netos”…

 

 

Juberty Antonio de Souza

Psiquiatra (CRM MS 996 – RQE 323)

Membro Benemérito do corpo clínico

SBCG (atual ABCG)

 

Virou-se e saiu batendo os sapatos (botas?) nos corredores silenciosos, talvez pelo medo dos mais antigos de seguirem o mesmo caminho…

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