No estudo do Conselho Federal de Medicina (CFM) sobre as despesas em saúde também foram cruzados com dados oficiais, como oferta de leitos para cada grupo de 800 habitantes e cobertura populacional de Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e Equipes de Saúde da Família (ESF) e indicadores epidemiológicos (taxas de incidência de tuberculose e dengue).

Também foi apurado o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) – que mede esta dimensão a partir de dimensões como o acesso à saúde de qualidade. Os números apontam para uma forte tendência de que os que destinam menos recursos per capita para a saúde apresentem, sobretudo, baixo desempenho no IDH.

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É o caso, por exemplo, do Pará – um dos piores colocados no quesito de aplicação per capita (R$ 0,74 ao dia), seguido do Maranhão (R$ 0,77). Ambos também estão entre as piores posições em relação ao IDH (25º e 26º lugar entre os Estados brasileiros, respectivamente). Muitas vezes, o desembolso financeiro se reflete em vários outros índices, como o número de leitos e de incidência de doenças. Nos casos citados, ambos também estão abaixo da média nacional – de 1,73 leitos por 800 mil habitantes. Eles são os 18º e 20º piores colocados entre os 27 Estados.

As capitais e municípios de maior e menor porte também tendem a apresentar essa correlação. Salvador (BA), Macapá (AP) e Rio Branco (AC) são as capitais que menos aplicam recursos em saúde. Todas estão abaixo da média nacional em indicadores como leitos e IDH. Enquanto o melhor IDH é o de Florianópolis (1,555) e a média entre as capitais é de 0,777, Rio Branco (AC) registra IDH de 0,727, Macapá (AP) aparece com 0,733, e Salvador com 0,759. O pior IDH – de 0,649 – é verificado em Boa Vista (RR). Em consonância com a percepção de que o gasto em saúde tem forte impacto no bem-estar de uma população, a capital roraimense é uma das piores colocadas (22º lugar) quando o assunto é o gasto per capita em saúde.

Longe dos princípios do SUS – Na avaliação do coordenador da Comissão Nacional Pró-SUS do CFM e conselheiro federal pelo estado do Paraná, Donizetti Giamberardino, há uma desigualdade muito grande entre os indicadores de saúde e também no gasto em saúde, seja nos estados ou nas capitais. “Temos um sistema público de saúde que deveria observar princípios fundamentais como universalidade, equidade e integralidade, mas que está sujeito a tantos fatores – e o investimento talvez seja um dos mais importantes deles – que acaba sendo desigual e até injusto em alguns lugares”, criticou.

Giamberardino faz referência ao indicador de leitos hospitalares, por exemplo, que revela uma oferta proporcionalmente menor nas regiões Norte e Nordeste. “Esse fenômeno da queda do número de leitos já foi constatado pelo CFM em levantamentos anteriores e, havendo redução de recursos no setor e aumento da população, a tendência é que a essas proporções caiam ainda mais”, disse.

Também é possível verificar impacto, em alguns casos, em indicadores como cobertura de Equipes de Saúde da Família e Agentes Comunitários de Saúde. Por exemplo, entre as 14 capitais abaixo da média de cobertura de ESF, oito (57,14%) também estão abaixo da média de gasto per capita. O mesmo se verifica entre as 16 capitais abaixo da média de cobertura populacional de ACS – dez delas (62,5%) também estão abaixo da média de gasto.

“Interessante observar que nos estados ou capitais onde a cobertura de ESF e ACS é relativamente melhor, o gasto per capita não aparece entre os de melhor desempenho. Isso nos leva a crer que os gestores estão priorizando a atenção básica. O problema é que, se a atenção básica não for resolutiva, você terá um cidadão que não encontrará nos níveis secundários ou terciários estrutura para resolver o seu problema”, alertou o coordenador da Pró-SUS.

Entre os Estados, a mesma verificação: dos 17 que estão abaixo do IDH nacional (de 0,727), dez (58,8%) também apresentam os piores índices de gasto per capita (abaixo da média entre os Estados). Esta correlação permanece entre os piores em cobertura populacional de agentes comunitários de saúde. Sessenta por cento deles também apresentam desempenho abaixo da média quando se verifica o gasto em saúde.

Modelo assistencial – A análise dos dados deve ponderar não só quanto se gasta, mas também como se gasta, o chamado gasto em saúde associado ao modelo assistencial. A opinião é de Eli Iola Gurgel Andrade, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e professora do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Eli explica que o modelo assistencial que o Brasil luta para estruturar é aquele com a atenção básica organizada com base na ESF, tendo em vista a experiência de outros sistemas no mundo, sobretudo o sistema inglês, que é o mais antigo e que serviu de matriz para a organização dos sistemas na Europa. “Esta base é inclusive uma forma de se racionalizar gastos, pois assim que se entra pela porta de um hospital, já se entra em uma unidade de alta complexidade e, portanto, de alto custo”, diz.

A especialista explica ainda que, segundo a literatura, 85% das condições de saúde são passíveis de resolução na atenção básica. Para isso, no entanto, ela precisa ser de qualidade. “A saúde no Distrito Federal, por exemplo, é nacionalmente reconhecida como uma das mais precárias. O que acontece é que se tem uma rede pública precária e se compra serviços do setor privado. Esses menos de 30% de cobertura de ACS e ESF significa que a população tem que procurar outros recursos, provavelmente a porta de entrada de um hospital, conveniado ou contratado – o que é caro”.

 

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