Embora a prática de alugar o útero não seja regulamentada no país, os anúncios estão em páginas da internet. Mulheres com dificuldades financeiras se dispõem a comercializar o ventre para realizar o sonho de casais que não podem ter filhos No início dos anos 1990, o tema inspirou uma telenovela. Na trama, um casal impossibilitado de ter filhos paga uma jovem para que ela empreste seu útero. A gravidez transcorre sem problemas, mas a gestante, tomada pelo sentimento de maternidade, se nega a entregar a criança após o parto. Começa uma batalha judicial que se estende até o último capítulo. A ficção reproduziu a história de milhares de mulheres no Brasil que não podem realizar o sonho de dar à luz uma criança. No Distrito Federal não é diferente. É cada vez mais comum encontrar alguém disposta a alugar o ventre, por meio da técnica de fertilização in vitro , em troca de dinheiro. Durante uma simples busca em sites de classificados, o Correio identificou 65 anúncios de mulheres que cobram entre R$ 50 mil e R$ 400 mil para passar nove meses carregando um bebê e depois entregá-lo a outra pessoa. A prática é até aceita no Brasil, mas com uma série de restrições. A Resolução nº 1.358/92 (ver Para saber mais), do Conselho Federal de Medicina (CFM), prevê que a gravidez de substituição seja feita apenas entre pessoas com parentesco até segundo grau, desde que não envolva dinheiro. Quem estiver fora desse perfil pode responder criminalmente. O artigo 242, do Código Penal Brasileiro (CPB), prevê punição de até seis anos de reclusão para aquela que dar parto alheio como próprio ou registrar como seu filho de outrem . No entanto, o medo de ir parar atrás das grades parece não assustar aquelas que mantém anúncios na rede mundial. A servidora pública Anita (nome fictício), 33 anos, há um ano, decidiu que compraria sua casa própria com o dinheiro de uma barriga de aluguel. Para chamar a atenção dos interessados, ela elencou seus atributos no anúncio: Sou alta, branca, sem vícios e 100% saudável. Deixo acompanhar o pré-natal. Garanto sigilo absoluto , diz o texto, acompanhado de um pseudônimo e o número de um telefone celular. Ela revelou que cobra R$ 190 mil e sabe que está praticando uma infração. Sei que posso até ser presa por isso, mas estou decidida a fazer. Não estou me importando com o que os outros pensam, nem tenho medo de me apegar à criança porque desde o primeiro momento vou tratar a gravidez como um negócio , afirmou a servidora. Anita diz já ter recebido quatro ligações de casais, mas nenhum fechou o negócio. Acho que eles têm medo. A última vez, uma mulher me ligou e começou a chorar. Disse que queria muito um filho que todos pensassem que fosse dela, mas tinha medo de ir adiante , contou. Já a costureira Adriana (nome fictício), 37 anos, aposta na barriga de aluguel para sanar uma dívida de R$ 40 mil que teve ao entrar num negócio malsucedido. Estou desesperada. Quero que apareça logo alguém que pague o que estou pedindo (R$ 100 mil). Quero quitar minha dívida e dar uma vida melhor aos meus dois filhos. Essa é a forma mais fácil que encontrei de levantar todo esse dinheiro todo. Só com o salário do trabalho, não dá , explicou. Falta legislação Para o titular da Promotoria de Defesa dos Usuários de Serviços de Saúde (Provida), Diaulas Ribeiro, a falta de uma legislação específica sobre o assunto dificulta uma fiscalização mais rigorosa. Atualmente, está parado na Câmara Federal o Projeto de Lei nº 90, de 1999, que cria regras para os procedimentos de reprodução assistida no Brasil. Um dos parágrafos regulamenta a gestação de substituição, em que uma mulher se submeta a uma inseminação artificial com o objetivo de gerar uma criança para outra mulher que comprovadamente não possa ter filhos. Esse projeto está parado há muito tempo e já precisa ser reformulado. O que tem regido esta matéria é uma resolução do CFM, mas ela é apenas para controle dos médicos. A falta de uma lei específica leva as pessoas para dois caminhos: a Justiça ou crime. A maioria escolhe a segunda opção , afirmou Diaulas Ribeiro. A professora de bioética da Universidade de Brasília (UnB) Déborah Diniz considera o assunto delicado. Segundo ela, a maternidade ocupa um lugar central na vida das mulheres e não é difícil explicar quando alguém resolve adotar a prática da barriga de aluguel. A mercantilização do corpo é um tema delicado do ponto de vista ético. De um lado, há um mercado perverso, em que quem geralmente vende são mulheres pobres ou vulneráveis à exploração e, de outro, quem compra são mulheres desesperadas por um filho e, regra geral, com problemas de infertilidade involuntária , ressaltou. A docente reconhece que não é possível definir qual será o comportamento da mulher que se submete a essa prática. Pode haver diferentes experiências nesse caso. Mulheres que tratam como um simples negócio. Outras que se arrependem. E as que sofrem. Não há, como em outras práticas e relações sociais, um padrão de comportamento afetivo, social ou psicológico. Bebês de proveta A inglesa Louise Brown, foi o primeiro bebê de proveta do mundo e despertou o mercado de fertilização in vitro, que é a técnica em que o óvulo é fecundado em laboratório. Há 30 anos, a chance de uma gravidez dessa natureza vingar era de 5%. Hoje, esse percentual é quase dez vezes maior. Norma veda o comércio A Resolução do CFM nº 1.358/92 determina que as técnicas de Reprodução Assistida (RA) têm o papel de auxiliar na resolução dos problemas de infertilidade humana, facilitando o processo de procriação quando outras terapêuticas tenham sido ineficazes ou ineficientes. Elas podem ser utilizadas desde que exista probabilidade efetiva de sucesso e não se incorra em risco grave de saúde para a paciente. A doação nunca terá caráter lucrativa ou comercial. Fonte: Correio Braziliense – 19/09/2010 –
Barriga de aluguel cresce no País
19/09/2010 | 03:00