A falta de penicilina benzatina, usada contra a sífi lis adquirida, e ausência de benzatina cristalina, indicada para bebês com sífilis congênita, estão entre as razões para a instalação da epidemia de sífilis no Brasil. Segundo o Ministério da Saúde, o fármaco estava em falta em 60% dos estados no início de 2016. Apesar de não ser sua responsabilidade inicial, o governo federal tem adquirido a penicilina como forma de garantir a distribuição. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) dispensou o registro da matéria-prima para a produção dos dois antibióticos, como forma de ajuda.

Ao anunciar ações estratégicas para o combate à sí¬filis, o ministro da Saúde Ricardo Barros admitiu que o Brasil enfrenta uma epidemia da doença. Em 2015, por exemplo, foram noti-ficados 65.878 casos de sí¬filis adquirida no País, sendo 33.381 em gestantes. A taxa entre elas aumentou de 3,7 para 11,2 casos a cada 1 mil nascidos vivos, entre 2010 e 2015 – um aumento em torno de 200%.

No caso da sífilis congênita, as taxas foram de 2,4 para 6,5 casos para cada 1 mil nascidos vivos, no mesmo período. Em 2015, o País registrou em torno de 40 mil casos de sí¬filis congênita. As mortes provocadas pela doença também cresceram de forma expressiva: a taxa de mortalidade é de 7,4 casos para cada 100 mil nascidos vivos.

A falta de penicilina é mundial, já que os fabricantes do princípio ativo, localizados na Índia e China, têm reduzido a produção como uma forma de pressionar o mercado pelo aumento de preços. Atualmente, quatro laboratórios brasileiros estão aptos para produzir o medicamento, mas dependem de insumo importado. Como forma de incentivar a produção, o governo propôs o aumento do preço da penicilina de R$ 6 para R$ 9. A majoração ainda será validada pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos, formada por representantes dos ministérios da Saúde e Fazenda e da Anvisa.

Choque anafilático – O medo de que a paciente 0tenha choque anafilático nas dependências das unidades básicas de saúde (UBS) também gera insegurança em enfermeiros e técnicos de enfermagem na aplicação de penicilina benzatina. Em 2014, o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) instituiu, através do Parecer nº 8/2014, uma série de exigências para que profissionais de enfermagem administrassem penicilina. Em janeiro de 2015, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS (Conitec) aprovou um relatório de recomendação que preconizava a manutenção da penicilina benzatina para prevenção de sífilis congênita, sob o argumento de que a possibilidade de choque anafilático é mínima. O texto também indica o procedimento a ser seguido nos casos do choque. Depois da recomendação, o Cofen revogou seu Parecer.

José Carlos Perini, presidente da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai), lembra que reações anafiláticas em decorrência da aplicação da penicilina são raras, estimadas entre 0,01 e 0,05%, com taxa de mortalidade decorrente desses episódios entre 0,0015 a 0,002%. Em crianças, este percentual é ainda menor. “É um evento muito raro, mas, para o profissional de saúde que está prestando o atendimento onde o caso ocorre, tem peso de 100%”, pondera.

Diante da situação, a Asbai aprovou um posicionamento técnico sugerindo que todas as UBS disponham de pessoal capacitado para o diagnóstico e o tratamento de reações alérgicas, assim como do material necessário para sua abordagem. “O médico é quem vai definir as doses de medicamentos para o resgate do paciente, em função do quadro clínico e das condições de saúde do paciente”, reforça Perini.

Estudos evidenciam papel da prevenção

Estudo epidemiológico realizado pela Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul – estado onde a taxa de sífilis congênita foi de 8,2 em 2014 – mostra que, de 2010 a junho de 2015, das 4.797 mulheres que transmitiram verticalmente sífilis para seus – filhos, em 54,6% dos casos a sífilis materna foi detectada durante o pré-natal; 32,7% no momento do parto; 5,4% após o nascimento e 0,5% não foi realizado. Apenas 2,8% das mães receberam tratamento adequado, 29,2% não receberam, e 55,6% foram submetidas a tratamentos inadequados.

Os números da Secretaria coincidem com pesquisas realizadas com puérperas com antecedentes de sífilis. No Pará, pesquisa realizada com 46 mulheres constatou que, das gestantes participantes do pré-natal, apenas 55,6% fizeram o exame de rastreio VDRL, somente 53,8% das diagnosticadas receberam tratamento adequado, e apenas 13,9% repetiram o teste no 3º trimestre de gravidez. Em São Paulo, em 33 casos de sífilis congênita pesquisados, 72,7% das mães tinham realizado o pré-natal; no entanto, somente 54,2% tiveram a doença diagnosticada na gravidez. Há ainda expressivos casos em que a mulher submete-se a tratamento e o parceiro evita tomar a penicilina benzatina.

Pesquisa realizada entre 2000 e 2009, no Ceará, mostrou que em todos os anos o número de parceiros não tratados foi superior ao daqueles que se submeteram a tratamento. Outro trabalho, realizado em Fortaleza, em 2008, mostrou que apenas 43,8% dos parceiros de gestantes com sí¬filis foram comunicados do diagnóstico e tratados de forma correta. Já em Belo
Horizonte, veri¬ficou-se que 79% das mães de crianças que nasceram com sí¬filis congênita ¬ zeram pré-natal, e 55% delas tiveram o diagnóstico da doença, mas em 66% dos casos os parceiros não foram tratados.

De maio a agosto de 2014, pesquisa realizada em Fortaleza evidenciou as lacunas no acolhimento à gestante. Em visitas a 24 unidades de saúde, a equipe de pesquisadores constatou que o teste rápido de VDRL estava disponível em 62,5% das unidades e que a aplicação tinha sido incorporada na rotina do pré-natal em apenas 55,6% dessas unidades. Em outra pesquisa, realizada em 89 unidades de saúde, de julho a outubro de 2011, constatou-se que somente 21,3% delas tinham profissionais capacitados para atender casos de sífilis e apenas 16,9% aplicavam penicilina benzatina em gestantes.

Já levantamento realizado pelo Ministério da Saúde, no Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade na Atenção Básica (PMAQ), no ciclo 2013/2014, detectou que apenas metade dos postos de saúde aplicava penicilina benzatina. O levantamento não mostra, no entanto, se a não aplicação se deu por falta de insumo, estrutura ou pessoal.

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