O II Encontro Hispânico-Brasileiro de Saúde e Direitos Humanos, realizado em Brasília nos dias 31 de outubro e 1º de novembro, terminou com a aprovação da Carta de Brasília, em que o Conselho Federal de Medicina (CFM) e o Conselho Geral de Colégios de Médicos da Espanha conclamam os médicos brasileiros e espanhóis a assumirem o compromisso inequívoco contra o tráfico de pessoas e de órgãos, a exploração sexual e as adoções ilegais. “Esses são problemas incompatíveis com o estágio civilizatório da humanidade e que envergonham a todos. Os médicos têm a obrigação de assumir a vanguarda dessa luta”, afirmou ao final do evento o 2º vice-presidente do CFM e coordenador do Encontro, Jecé Brandão. Acesse aqui a Carta de Brasília.

“O desaparecimento de crianças e adolescentes, assim como a exploração sexual, são vistos como problemas particulares das famílias, quando na verdade são chagas mundiais que devem ser combatidas pelos governos e pela sociedade”, argumentou o presidente do Conselho Geral de Colégios de Médicos da Espanha, Serafín Romero Agüit, presente ao II Encontro Hispânico-Brasileiro. Agüit, ao fazer um resumo das palestras realizadas nos dois dias, defendeu o cumprimento dos acordos internacionais que buscam combater o tráfico de pessoas e órgãos, como o Protocolo de Palermo e a Declaração de Istambul, a adoções de medidas legais e a realização de campanhas de conscientização com alertas sobre a extensão do problema.

DNA ProKids – As atividades desta quarta-feira (1º) começaram com uma palestra do diretor do departamento de medicina legal da Universidade de Granada (ES), Jose Antonio Lorente, que falou sobre o problema das adoções ilegais e como elas poderiam ser combatidas com a adoção, do DNA Prokids, programa que faz um mapeamento genético de todas as crianças nascidas em um país. “Como são sequestradas muito novas, as crianças não têm lembranças de suas famílias e a comprovação só será possível com o teste genético”, explicou. Segundo Lorente, o banco de DNAs impediu que 36 crianças da Guatemala fosse encaminhadas para a adoção ilegal. Outro programa apresentado pelo professor espanhol foi o DNA-ProOrgan, que pode rastrear órgãos, principalmente rins. A apresentação pode ser acessada aqui.

Em seguida, o diretor da Unidade de Transplante Renal da Santa Casa de Porto Alegre, Valter Duro Garcia, falou sobre a realidade do tráfico de órgãos na América Latina, diferenciando o que ele chamou de lendas urbanas e a realidade. “Não ocorrem assassinatos para a remoção de órgãos, nem rapto de crianças para venda no exterior. O que pode estar ocorrendo é a comercialização de rins por um doador vivo, furando a fila única”, afirmou. Em 2016, um rim era comercializado por US$ 16 mil na Colômbia. Recentemente, jovens recifenses também estavam sendo aliciados para vender seus rins, sendo que 32 foram submetidos a cirurgias na África do Sul, beneficiando cidadãos israelenses.

“Cirurgias que não seriam feitas no Brasil, pois aqui é crime a venda de órgãos e há um controle rigoroso sobre a lista única”, garantiu. Garcia alertou que a cada escândalo envolvendo a venda de órgãos, a população passa a desacreditar dos transplantes e há uma redução no número de doações. A maioria dos transplantes ilegais são realizados na China, Colômbia, Índia e Paquistão. A apresentação pode ser acessada aqui.

A responsável pela Coordenação de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Ministério da Justiça, Natasha Barbosa Mercaldo de Oliveira, mostrou o que o governo brasileiro está fazendo para combater o tráfico de seres humanos. Além das ações do Plano Nacional de Erradicação do Tráfico de Pessoas (PNETP), o governo conta com a lei 13.344/16, que prevê reclusão de quatro a oito anos, mais multa, a quem agencia, alicia, recruta, transporta, transfere, compra, aloja ou acolhe pessoas com a finalidade de remover órgão, tecidos ou parte do corpo, submetê-la a trabalhos análogos à escravidão, submetê-la à servidão, para adoção ilegal ou exploração sexual.

Segundo Natasha Oliveira, o tráfico de seres humanos se dá para a prática do trabalho escravo, a exploração sexual ou transplante de órgãos. “E não importa se a pessoa se submete e essas condições de forma consentida, ou não. Caso seja constatado, o aliciador será punido”, assegurou. A apresentação pode ser acessada aqui.

Escravidão – Para o conselheiro federal pelo Paraná e diretor do hospital pediátrico Pequeno Príncipe, Donizetti Dimer Giamberardino Filho, que foi o último palestrante do Encontro, o tráfico de seres humanos “é uma forma de escravidão moderna, que implica a apropriação, controle e exploração de pessoas com fins lucrativos”. A desigualdade social favorece o tráfico humano, sendo que os mais atingidos são os grupos mais vulneráveis. Nesse contexto, cabe ao médico identificar quem está sofrendo abusos, ajudando essas pessoas a saírem da situação de exploração.

O conselheiro federal apresentou dados constantes do artigo “Tráfico de seres humanos: o direito da medicina em interromper o ciclo de abuso e violência”, do médico americano Wendy Macias Konstatopoulos, no qual ele advoga que os profissionais da medicina denunciem casos suspeitos. Segundo o artigo, 88% das pessoas traficadas procuram atendimento médico, sendo que 83% dessas vítimas são mulheres com menos de 25 anos. “O atendimento médico é uma oportunidade ímpst que pessoas traficadas recebam atendimento de profissionais de saúde confiáveis. Cabe ao médico estabelecer uma relação de confiança com esses pacientes e ajudá-los a sair dessa condição”, defendeu Donizetti.

Segundo Donizetti, os pacientes explorados apresentam sinais e sintomas comuns, de ordem física, reprodutiva e mental. Entre os sinais físicos, estão tatuagens que indicam um dono, doenças crônicas e sinais de violência. Em relação à vida reprodutiva, estão abortos recorrentes e doenças sexualmente transmissíveis. No aspecto mental, geralmente estão presentes a Síndrome de Estocolmo e comportamento suicida. “Os médicos precisam estar preparados para identificar esses sintomas e, baseado no vínculo criado com o paciente, oferecer ajuda”, defendeu.

A abordagem defendida pelo conselheiro é a mesma que o CFM já advoga no âmbito do combate ao desaparecimento de crianças e adolescentes. Desde 2011, a autarquia orienta os médicos em atendimento pediátrico a acionarem o Conselho Tutelar toda vez que encontrarem indícios de maus tratos em crianças, ou quando encontrarem indícios de que os acompanhantes não são os pais da criança. “Uma criança ou uma pessoa traficada um dia vai precisar de um médico e temos de estar preparados para identificar esses sinais”, argumentou. Acesse aqui a apresentação de Donizetti Giamberardino.

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