“Os números oficiais da hanseníase no mundo são reais?” é o tema do artigo publicado em The Lancet Infectious Diseases, uma das mais importantes publicações científicas sobre infectologia

The Lancet Infectious Diseases, considerada a revista de mais alto impacto entre as publicações científicas da área da infectologia, acaba de publicar artigo assinado por hansenologistas brasileiros ligados à SBH-Sociedade Brasileira de Hansenologia questionando os dados oficiais da hanseníase em todo o mundo.

“Os números oficiais da hanseníase no mundo são reais? 530 milhões de pessoas moram em países ‘em desenvolvimento’, que a OMS apresenta como ‘sem registro’ de casos de hanseníase em 2017”, comenta a publicação da Elsevier, uma das maiores editoras do mundo: http://www.thelancet.com/journals/laninf/article/PIIS1473-3099(18)30012-4/fulltext#.

“Com a ligação estreita entre a hanseníase e a pobreza, o subdesenvolvimento, como é possível que países em condições socioeconômicas piores que o Brasil possam ter controlado a doença? Autoridades internacionais precisam ter um olhar diferenciado para os números oficiais que estão sendo publicados ano a ano. Insistimos no alerta de que a doença não é um problema apenas do Brasil, da Índia e de alguns poucos países que ainda persistem com muitos casos”, diz o presidente da SBH, Claudio Salgado, da Universidade Federal do Pará, doutor em Medicina pela Universidade de Tóquio.

Segundo ele, não há enfrentamento global contra a doença porque os países eliminaram a hanseníase como problema de saúde pública, seguindo uma estratégia equivocada de combate à doença. Na década de 1990, a OMS criou a meta de eliminação da hanseníase como problema de saúde pública, para o ano 2000, de menos de 1 caso por 10.000 habitantes. Até 1998, o número de casos novos no mundo estava em ascensão. Com a aproximação do ano 2000, e posterior renovação da meta para o ano 2005, o número de casos despencou e muitos países “eliminaram oficialmente” a hanseníase. Com a “eliminação” a vigilância se perde, as referências são desmontadas e o sistema de saúde não enxerga mais os doentes. “No Brasil, o Rio Grande do Sul “eliminou” a hanseníase como problema de saúde pública. Hoje o estado tem um número pequeno de casos registrados, mas apresenta o maior percentual brasileiro de pessoas com incapacidade física – doentes que convivem com a hanseníase há anos e recebem o diagnóstico depois que as sequelas estão avançadas. Isso se deve, muito provavelmente, à falta de diagnóstico”, alerta Salgado.

“O número de casos relatados é verdadeiramente confiável ou recursos adicionais devem ser disponibilizados para pesquisar os milhões de casos ocultos, as pessoas que vivem com hanseníase não diagnosticada, desenvolvem deficiência e propagam a doença?”, questionam os articulistas no esperado artigo publicado por The Lancet Infectious Diseases.

O artigo coloca em xeque o fato de que as campanhas efetivas de eliminação da hanseníase global patrocinadas pela OMS reduziram a prevalência de cerca de 5,3 milhões de casos, em 1985, para 597.035, em 2005, uma redução na prevalência de 89%, considerado um enorme declínio na taxa de detecção de casos pelos articulistas Claudio Guedes Salgado, Josafá Gonçalves Barreto, Moisés Batista da Silva, Isabela Maria Bernardes Goulart, Jaison Antônio Barreto, Nesio Fernandes de Medeiros Junior, José Augusto Nery, Marco Andrey Cipriani Frade e John Stewart Spencer.

“Isso parece um tremendo sucesso, mas a enorme redução na prevalência precisa de algum contexto histórico”, salientam os hansenologistas. “É interessante observar que países de alta renda com sistemas de saúde bem estruturados, como a maioria dos países europeus, Estados Unidos, nas Américas, e Austrália e Japão no Pacífico Ocidental, todos relataram casos, enquanto muitos países de baixa renda, onde se espera encontrar condições para a existência da hanseníase, não o fazem”.
O Brasil segue como único país que ainda não alcançou a meta de menos de 1 novo caso/ 10.000 pessoas. “Pesquisas de vários hansenologistas que utilizam vigilância ativa de escolares e seus contatos domiciliares revelam muitos casos mais ocultos do que a NCDR (taxa de casos novos diagnosticados) nacional relatada através do diagnóstico passivo de caso”, diz o artigo. O trabalho contínuo de treinamento e capacitação feito por uma rede de hansenologistas em algumas regiões brasileiras, com apoio do Ministério da Saúde e de organizações não governamentais; ou seja, uma parte do sistema de saúde, mantém o Brasil fora da lista de eliminação da hanseníase. Infelizmente, esta rede é pequena e a ampliação do trabalho é necessária dentro e fora do Brasil.

Em novembro/2017, a SBH lançou uma carta aberta à sociedade brasileira alertando para o problema. “Vários problemas se apresentam neste cenário: médicos despreparados para o diagnóstico, profissionais da atenção básica sem treinamento adequado, universidades que formam médicos, enfermeiros, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas e outros profissionais de saúde sem o preparo necessário para lidar com esta doença, educadores, pais e formadores de opinião que evitam ou desconhecem totalmente o assunto, falta de recursos e interesse para pesquisa, cobertura insuficiente da população pela estratégia saúde da família, além da problemática jurídica em torno dos direitos das pessoas vítimas da hanseníase – doentes que passaram a vida em leprosários e filhos de pacientes que viveram internados em preventórios mesmo sem ter a doença, sendo todos privados de seus direitos básicos e hoje esquecidos em antigas colônias e dependendo de dedicados profissionais de saúde e da boa vontade de abnegados voluntários”, ressalta a entidade no documento.

Também em 2017, a SBH, numa estratégia de “falar” com vários públicos lançou a campanha nacional “Todos Contra a Hanseníase”, que conta com cartilha educativa e um mascote, porta-voz da campanha, levado a feiras, congressos, eventos em praças públicas etc. O boneco já percorreu várias cidades brasileiras. Para divulgar o conteúdo da campanha, a entidade fez parcerias com universidades, empresas, sociedades médicas etc. Para chegar a educadores, foi feita parceria com uma consultoria pedagógica que leva cartilhas e veicula o vídeo institucional da campanha em congressos e eventos variados, sensibilizando este público por todo o Brasil.

Neste cenário, o presidente da SBH, Claudio Salgado, da Universidade Federal do Pará e doutor em Medicina pela Universidade de Tóqui, alerta que “diante da situação, o Brasil não alcançará as duas principais metas propostas na estratégia global da Organização Mundial da Saúde contra a hanseníase até 2020: nenhuma criança diagnosticada com hanseníase e deformidades visíveis, e menos de 1 caso de hanseníase diagnosticado com deformidades visíveis para cada 1 milhão de habitantes. Nosso papel, neste momento, é ampliar os diagnósticos com treinamento, capacitação e supervisão permanentes, dar condições de tratamento digno aos doentes, e conseguir diagnosticar precocemente a hanseníase a fim de evitar sequelas para, só então, almejar o controle da doença no país, o que não se faz em poucos anos”.

A SBH é uma entidade médica que completa 70 anos em 2018. Colabora com o Ministério da Saúde no desenvolvimento de políticas de combate à doença, certifica os médicos hansenologistas no Brasil e promove treinamento/atualização de profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, agentes comunitários de saúde, dentistas etc.), especialmente nas regiões de alta endemicidade.

Fonte: SBH

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