Os médicos só devem indicar internação de pacientes com problemas de drogadição ou doenças mentais, concomitantes ou não, para estabelecimentos assistenciais que ofereçam assistência médicae que disponham de plantonistas, equipes de enfermagem, salas de observação e contensão, carrinho de parada e referenciamento para hospital de apoio, nunca para as comunidades terapêuticas nos casos de internação involuntárias ou compulsórias. É o que prescreve o Parecer nº 9/2015 do Conselho Federal de Medicina (CFM), aprovado na plenária de março, que responde a questionamentos de médicos sobre a internação de dependentes químicos em comunidades terapêuticas. O documento, que teve como relator o conselheiro federal por Alagoas, psiquiatra Emmanuel Fortes, esclarece que as comunidades terapêuticas definidas pela Resolução (RDC) 29/11 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não são ambientes médicos e que nelas só podem permanecer quem decidiu pela internação voluntariamente.

O parecer enfatiza que, erroneamente, a comunidade terapêutica é tratada como instituição quando na realidade se trata de uma estratégia terapêutica, baseada na força do indivíduo de buscar a própria cura auxiliado por terapias de grupo e atividades ocupacionais. Como estratégia, ela pode ser aplicada em ambientes com perfil para a tutela, a guarda e a proteção da pessoa internada por determinação da justiça, levado pela família ou por vontade própria. “Os presídios não são ambientes médicos e essa estratégia poderá ser aplicada nesses estabelecimentos, tanto quanto não o são os ambientes protegidos como os com perfil para albergues para onde escolha ir, voluntariamente, pessoas que desejam abandonar os hábitos tóxicos da dependência química e que estejam em período de abstinência ou isentos de comorbidades ou doenças mentais”, argumenta Emmanuel Fortes.

Diagnóstico médico – As internações compulsórias, aquelas determinação pela Justiça, e involuntárias, que ocorrem contra a vontade do paciente, não podem ocorrer nas comunidades terapêuticas definidas na RDC Anvisa 29/11. Para que um indivíduo seja internado contra sua vontade, ele precisa estar doente e ser diagnosticado como tal por um médico, que só poderá encaminhá-lo para instituições hospitalares ou “comunidades terapêuticas” com perfil médico. Como estabelece a lei nº 10.216/11, que trata dos direitos da pessoa com transtorno mental, o tratamento em regime de internação deve oferecer assistência integral, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais e de lazer, entre outros.

“O que as chamadas comunidades terapêuticas com o perfil definido pela Anvisa oferecem é muito diferente, pois não dão suporte médico”, observa Fortes, que manteve por anos uma instituição psiquiátrica adepta da comunidade terapêutica como aliada no tratamento de pessoas com problemas mentais ou de drogadição.O conselheiro do CFM critica o desvirtuamento dos objetivos finalísticos das comunidades terapêuticas, que hoje recebem recursos públicos para tratar pessoas com doenças mentais, enquanto hospitais psiquiátricos estão sendo fechados por falta de financiamento.

De acordo com o Ministério da Justiça, de 2013 até o final do ano passado foram repassados R$ 105 milhões para que 381 comunidades terapêuticas conveniadas acolhessem 8.401 dependentes químicos. A União repassa, mensalmente, R$ 1 mil por pessoa, sendo que este valor sobe para R$ 1,5 mil quando são mães com bebês. Além desses recursos, as comunidades terapêuticas podem receber verbas destinadas por parlamentares por meio de emendas, recursos de estados e municípios e cobrar mensalidades. Por outro lado, os hospitais psiquiátricos conveniados com o Sistema Único de Saúde (SUS) recebem uma diária de R$ 38,59 por paciente para cobrir todos os gastos, incluindo alimentação, remédios e o pagamento de profissionais.

O diretor da clínica capixaba Santa Isabel, Sérgio Bourbon, denuncia que este valor está congelado há seis anos. “Não temos condições de atender nessas condições”, afirmou o médico, que em março anunciou o fechamento da clínica, o que levou parentes dos pacientes a realizarem protestos. Preocupada com o fechamento dos leitos, a Secretaria Estadual de Saúde se comprometeu a complementar o valor da diária. Para obter essa complementação, a clínica teve de reduzir o número de leitos, que já foram 400 e hoje estão em 140.

Diretor da clínica há mais de 40 anos, Sérgio Bourbon viu nos últimos anos um aumento da desassistência em psiquiatria. “A população aumentou, novos problemas surgiram, como os da drogadição, mas o governo fez uma opção política de reduzir o número de leitos. O resultado são famílias desesperadas, sem ter onde internar seus parentes”, relata. A redução de leitos não ocorre só no Espírito Santo: segundo levantamento do CFM, de 2001 a 2013 desapareceram 21.452 leitos psiquiátricos no Brasil, a maioria do SUS.

Acompanhamento médico – O Parecer CFM 9/2015 esclarece que as comunidades terapêuticas regulamentadas pela RDC Anvisa nº 29/11 estão numa condição diferente daquelas instituições que se propõem a receber pessoas para internação involuntária ou compulsória, as quais se obrigam a ter médico a qualquer momento para responder sobre a condição de involuntariedade da internação do paciente. Também não podem ser internadas nessas comunidades pessoas que detenham qualquer condição que requeira assistência médica.

Os serviços de assistência psiquiátrica, definidos na Resolução CFM nº 2.057/12, que consolida as diversas resoluções da área de psiquiatria, são os seguintes: hospitais psiquiátricos, serviços psiquiátricos em hospitais gerais, comunidades terapêuticas de natureza médica, ambulatórios especializados, inclusive os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e consultórios isolados ou institucionais. Nos que realizam assistência sob o regime de internação (turno, dia ou integral), devem ser assegurados equipes formadas por médicos e outros profissionais qualificados, além de instalações para atividades educativas, recreativas e de lazer, entre outras determinações.

As comunidades terapêuticas de natureza médica, que não são àquelas definidas na RDC Anvisa 29/11, devem obedecer ao que está prescrito nas Resoluções CFM nº 2.056/13, como critérios para a autorização de funcionamento dos serviços médicos e de funcionamento. Caso contrário, não serão consideradas um serviço de assistência psiquiátrica e para elas não poderão ser enviados pacientes que necessitem de assistência médica. Nestes locais também não podem ser realizadas contensões mecânicas, nem internadas pessoas que necessitam de assistência médica. Também é vedada a aplicação de medicamentos injetáveis, proibição que também está na resolução da Anvisa.

O coordenador do Programa Recomeço, ação do governo de São Paulo para atender pessoas com problemas de drogadição, psiquiatra Ronaldo Laranjeira, elogia o parecer do CFM. “Existem duas fases no processo de luta contra as drogas: o tratamento e a recuperação. A primeira deve ocorrer em ambientes médicos e só quando o paciente fica estável é que ele é encaminhado para uma comunidade terapêutica, onde passa por um processo de recuperação. O CFM está certo ao estabelecer que pacientes com necessidades médicas não devem ser encaminhados para as comunidades”, afirma. O parecer 9/2015 também foi elogiado pelo conselheiro federal pelo Piauí, psiquiatra Leonardo Sérvio Luz. “Estávamos precisando de um parecer como este, que veio fechar uma lacuna, já que a Resolução CFM nº 2.057/12, não trata da fiscalização em comunidades terapêuticas não médicas, até porque não são ambientes médicos. E, como não são, deve ficar claro que não podem receber pacientes internados contra sua vontade”, afirmou.

No programa Recomeço, que oferece 3 mil leitos para pacientes com problemas relacionados a drogas, são oferecidos 1.300 leitos médicos e 1.700 em comunidades terapêuticas. Nas clínicas médicas, o paciente passa um mês, no tratamento de desintoxicação, para só então ser encaminhado às comunidades, onde fica cerca de seis meses.

Fonte: Jornal Medicina nº 243

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