Texto: Azael Júnior/Foto: Saul Schramm “Apaixonado pela Medicina”, assim o presidente do CRM-MS define o seu sentimento pela profissão. Tradição de família, já que o avô era médico e, o bisavô, proprietário da primeira farmácia de Campo Grande. Estas foram as influências que fizeram com que Sérgio Renato de Almeida Couto escolhesse a profissão. Entre os temas que permearam a entrevista, declarações fortes como a de pacientes morrendo por falta de condições de atendimento na Santa Casa de Campo Grande e a situação caótica do hospital. A megalomania dos gestores da Saúde, a falta de política efetiva e, também, nenhuma Ação Civil Púbica que obrigue os gestores da Saúde a pagarem por vagas em hospitais e clínicas particulares, foram ainda abordadas na entrevista concedida a O Estado na sede do Conselho Regional de Medicina (CRM). O Estado – Quais as atribuições do Conselho Regional de Medicina (CRM)? Sérgio Renato de Almeida Couto – O CRM hoje, além de julgar casos contra os colegas que cometem algum tipo de infração, tem principalmente o papel fiscalizado das ações dos gestores da Saúde, participamos ativamente dos projetos antes de serem apresentados para a população. Promovemos a especialização e a atualização dos médicos, prioritariamente aqueles que atuam no Interior. Promovemos cursos constantes de educação e ética e ações de fiscalização em conjunto com o Ministério Público Estadual (MPE). O Estado – Quais fatores causam deficiências no Sistema de Saúde? Almeida Couto – Uma série de fatores, nosso País é o que menos investe em saúde na América Latina. Nós investimos menos que a metade do que investe a Argentina, em torno de US$ 190 por habitante, por ano. Saúde tem um custo elevado e os investimentos no Brasil são pequenos. A alternativa que nós tínhamos há um tempo era regulamentar a Emenda 29, que acabou ficando para depois da eleição. Essa é uma medida que contraria todas as campanhas porque você vai fazer com que o município invista ao menos aquilo que está na lei e no lugar certo. o Estado – Os gestores de Saúde da Capital investem certo? Almeida Couto – O que acontece hoje é que os administradores da Saúde em Campo Grande afirmam investir 24% dos recursos no setor. Onde está este investimento? Previdência Social não é investimento em Saúde, área de infra-estrutura também não é investimento em Saúde, merenda escolar não é investimento em Saúde. Em alguns municípios são computados os gastos com vacina para febre aftosa como investimento em saúde da população. A regulamentação da lei vai poder dizer onde e como serão realizados os investimentos em Saúde. Esse é o princípio básico, entre as fontes de gasto e de receita. Não adianta votar em médico pensando que os problemas serão resolvidos. Temos um prefeito, um governador e um secretário de Saúde que são médicos e vivemos uma crise enorme no Sistema de Saúde. O Estado – Hoje os atendimentos são centralizados na Santa Casa. O hospital atingiu a capacidade máxima? Almeida Couto – Hoje, a Santa Casa é um hospital para atender toda a população do Estado, ou cerca de 2,5 milhões de pessoas. Dourados hoje não tem um hospital para suportar o atendimento de 30 municípios da região sul de Mato Grosso do sul, e os pacientes estão vindo para Campo Grande que, mesmo tendo vagas para atender esses pacientes, o risco no transporte dessas pessoas é muito grande. Você está expondo esse paciente a uma piora de prognóstico. O ideal é que o paciente seja atendido na cidade de origem. Nós sabemos das dificuldades de se instalar estruturas de alta complexidade em uma cidade pequena. O Estado tem de ter pólos para absorver esses doentes e diminuir o tempo de transporte para melhorar o prognóstico dessa pessoa e não trazê-las para Campo Grande. Quando o paciente vem para a Capital, traz consigo a família, ele não vem só. Muitas vezes, são pessoas sem recursos, não têm onde se hospedar, se alimentar, e passa a ser mais um problema social para os hospitais. Você dá alta aos pacientes e eles não têm como ir embora, porque não têm como voltar para casa. O Estado – Qual o percentual de pacientes do Interior internados na Santa Casa? Almeida Couto – Em uma última fiscalização do CRM constatamos que 30% dos pacientes vinham de fora do nosso município, mas, é importante levar em consideração que boa parte dos pacientes omitem que vêm do Interior com medo de não serem atendidos, então, esse número é maior que os 30% levantados pelo conselho. Esses pacientes deveriam ter um local adequado para serem atendidos dentro do hospital, mas eles acabam ficando em macas nos corredores que, por mais desumano que seja, é o tipo de atendimento que se pode prestar naquele momento, para aquele paciente. Melhor do que não atendê-lo, não é? O Estado – Faltam médicos no Interior? Almeida Couto – Faltam médicos no Interior porque não existe uma política do governo para interiorizar o médico, então Saúde é então constitucional quanto a Justiça. Você, quando interioriza um juiz, cria uma comarca de atuação. Não adianta você deixar um médico no Interior com um estetoscópio antigo e um aparelho de pressão na mão, porque o que ele vai fazer é uma triagem entre os pacientes e encaminhar para Campo Grande. A solução é interiorizar a medicina e não só o médico. Não existe um plano de cargos, um médico que trabalha hoje exclusivamente no Sistema Único de Saúde (SUS). Então, o que vejo é que não existe política pública verdadeira, não existe vontade pública para interiorizar um médico, um plano de cargos. Os investimentos não são feitos de forma correta, quem paga por essa desestrutura e mau gerenciamento é a população. O Estado – Como solucionar o problema? Almeida Couto – Existe falta de vontade política, como eu já falei. O custo de manutenção de um hospital é grande. É mais barato comprar uma ambulância e colocar o nome da administração na porta desta ambulância e ficar transitando e jogando toda a responsabilidade daquele município para a cidade tida como referência, como é o caso de Campo Grande. O Estado – Os gestores reclamam muito da falta de recursos. Falta tanto recurso assim? Almeida Couto – Existem 140 milhões de brasileiros que dependem do SUS e 40 milhões que dependem de convênios. Os investimentos que são feitos pelos convênios são bem maiores do que os feitos pelo Poder Público. Então, você tem um grupo de privilegiados e uma grande parte que necessita exclusivamente do SUS, embora nós atendemos também com freqüência a população que tem plano de saúde. Eu, como presidente do CRM, tenho que correr atrás para que o SUS funcione de maneira adequada. Não pode haver um atendimento de primeira para uma parcela da população e uma medicina de segunda para a grande maioria. O secretário de Saúde de Campo Grande costuma comparar a Capital com locais onde a situação é pior. Este não é um bom parâmetro para mensurar o nível de eficiência de gestão à Saúde. O Estado- Qual a situação do Sistema de Saúde em Campo Grande? Almeida Couto – A crise está instalada na Capital e eu tenho que pensar na população que está vindo pra cá e nos médicos que estão aqui. A agravante é que sou médico e trabalho com urgência. Além de trabalhar em Centro de Terapia Intensiva (CTI), eu trabalho em Pronto Socorro, então, eu vivencio a condição adversa diariamente e ouço reclamações e cobranças também diariamente. Hoje, o que acontece é que os pacientes internados no centro cirúrgico, após serem operados, não podem ser removidos para a UTI porque “não tem vaga”. Então, ele fica mesmo no centro cirúrgico. As salas de cirurgias vão sendo fechadas porque esse paciente está lá recebendo cuidados que deveriam ser feitos na UTI. Os anestesistas, que deveriam cuidar exclusivamente da anestesia e acompanhar o paciente durante a operação, têm de cuidar de pessoas internadas na Unidade de Terapia Intensiva, que estão dentro do Centro Cirúrgico. Os pacientes que chegam ao hospital vão ficando amontoados em uma sala à espera de vagas e respirando com aparelhos ultrapassados. Enquanto isso, o prognóstico deste paciente piora muito. Grande parte dos internados é jovem, vítima de trânsito. Cerca de metade – 700 ao mês – das cirurgias na Santa Casa são ortopédicas, para tratar traumas de acidentados automobilísticos. O Estado – Existe a condição de uma epidemia de morte dada à precariedade? Almeida Couto – Pessoas que não deviam estar morrendo, estão morrendo por causa dessa falta de condição no atendimento. Os médicos não recusam atender quem chega ao hospital, mas os gestores não possibilitam recursos suficientes para atender de forma correta esse doente. Hoje, eu teria medo que um filho meu se acidentasse na rua, mesmo eu tendo convênio, porque o único hospital em que ele pode ser atendido é a Santa Casa. É o único hospital com recursos para atender um politraumatizado e, caso vá para lá, vai sofrer as mesmas conseqüências de um paciente do SUS. As infecções vão se agravando. Como exigir que um funcionário faça uma boa higienização em corredores com macas e sem espaço suficiente para atender esses pacientes, sem conseguir separar pacientes com diferentes enfermidades? O Estado – Nesta segunda (hoje) acontece uma reunião entre o CRM, MPE e representantes dos gestores da Saúde, e qual o objetivo da reunião? Almeida Couto – O objetivo é fazer com que os gestores da Saúde se responsabilizem pelos pacientes. Vamos entrar com uma Ação Civil Pública porque as pessoas estão morrendo nos hospitais. Se formos esperar um mês para montar as UTls necessárias, nesse espaço de tempo as pessoas vão continuar morrendo, portanto, o Poder Público tem de se responsabilizar por esses pacientes até que se tenha leito nas unidades de saúde . As pessoas não devem pagar pela falta de responsabilidade dos gestores. Com esta ação, a gente força o Poder Público a tomar uma atitude de forma mais rápida e eficaz. O assunto já foi discutido várias vezes e, agora, que estamos próximos às eleições é um bom momento para debater o tema, principalmente pela situação caótica em que se encontra a Saúde em nosso Estado, principalmente, em Campo Grande. O secretário de Saúde da Capital disse que demora 60 dias para instalar novos leitos de UTI, então, até o mês de setembro terá muita gente morrendo. Não temos outra alternativa a não ser entrar com a ação e tentar evitar que mais gente continue morrendo. Estamos vendo pessoas morrerem diariamente e que não deveriam morrer por falta de estrutura hospitalar. Estas mortes são evitáveis. O Estado – Os médicos são obrigados a escolher quais os pacientes que devem ter o atendimento priorizado nas UTls? Almeida Couto – Sim, os médicos são obrigados a escolher qual paciente tem mais chance de sobrevivência para ter uma vaga nas Unidades de Terapia Intensiva. Campo Grande é a referência para os atendimentos de alta complexidade em urgência, emergência e terapia intensiva, e o resultado disso acaba em muitos óbitos, mas não tenho o número. Os hospitais estão com problemas graves, principalmente de superlotação . O Estado – Seria o caso de a Prefeitura e a Secretaria de Saúde decretar um estado de emergência? Almeida Couto – Sim, o estado de emergência hoje ajudaria o gestor no sentido de poder comprar equipamentos de forma menos burocrática. Hoje, os processos licitatórios atrasam a compra de equipamentos. Porém, os investimentos que estão sendo pedidos não são de hoje. A secretaria havia prometido no ano passado 40 vagas de UTI no HR (Hospital Regional) e na Santa Casa, mas até agora não houve nenhuma movimentação do Poder Público. Então, são projetos grandes e que atrapalham porque a quantidade de dinheiro é maior e mais difícil de ser viabilizado. Perfil Nome: Sérgio Renato de Almeida Couto Idade: 46 Profissão: Médico, presidente do Conselho Regional de Medicina de Mato Grosso do Sul (CRM/MS) Estado Civil: Casado, dois filhos Formação: Médico, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, residente em cirurgia geral na Santa Casa de Campo Grande, Médico intensivista pela Academia de Medicina Intensiva Brasileira e especialista em nutrição enteral e parenteral. (fonte: jornal O Estado de Mato Grosso do Sul – 28.07.2008)

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