Uma em cada 10 mulheres mortas no ano passado em decorrência de problemas na gestação sofreu um aborto, espontâneo ou provocado. O aborto é uma das principais causas de mortalidade materna no Brasil: em 10% dos casos, a expulsão prematura do feto foi a razão dos óbitos, segundo dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde. O SIM revela que 2.010 mulheres que abortaram morreram nos últimos 15 anos. Esses são os casos que chegaram à rede pública de saúde. Na clandestinidade, muitas mulheres morrem sem que façam parte das estatísticas oficiais. A Pesquisa Nacional de Aborto (PNA), desenvolvida pelo Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero e divulgada em maio deste ano, mostrou que metade das mulheres que já fizeram um aborto buscou atendimento na rede de saúde em razão de complicações no procedimento. Muitas usaram medicamentos abortivos, principalmente o Cytotec, mas não é essa escolha a responsável pela maioria das internações. As gestantes que engrossam as estatísticas de mortalidade materna são vítimas de clínicas clandestinas. É possível que essas mulheres estejam abortando sob condições de saúde precárias, uma vez que grande parte delas tem um baixo nível educacional , conclui a PNA. A proporção de abortos fatais entre os casos de mortalidade materna não diminuiu ao longo dos anos, levando-se em conta os dados oficiais. Pelo contrário: aumentou de 9,2% em 2005 para 10,1% no ano passado. Há regiões no Brasil, como a Bahia, onde o aborto inseguro é a principal causa de mortalidade materna , afirma a secretária executiva da Rede Feminista de Saúde, Télia Negrão. Em Recife (PE), a morte de cinco mulheres no ano passado chamou a atenção das autoridades. Depois de sofrerem um aborto, as jovens com idade entre 19 e 28 anos procuraram atendimento na rede pública de saúde e morreram pouco tempo depois dos primeiros atendimentos médicos. O grupo técnico do Comitê Municipal de Mortalidade Materna foi a campo para investigar os casos. Encontrou resistência dos familiares e indícios de que os procedimentos foram feitos de forma clandestina. As causas ligadas à sexualidade são sempre obscuras , afirma a gerente de Atenção à Saúde da Mulher da Secretaria de Saúde de Recife, Benita Spinelli. Casos estudados O Correio teve acesso aos cinco estudos de caso realizados pelo grupo técnico do comitê. Os documentos foram fornecidos à reportagem sem os nomes e os endereços das vítimas, mas trazem os antecedentes da gravidez e o histórico clínico das pacientes. Em pelo menos um caso, há a informação de uso de medicamento abortivo. A mãe desconfiava da gestação da filha porque ela se queixava muito de dores de cabeça e apresentava vômitos, apesar de negar. Uma amiga informou que a jovem havia usado Cytotec em dezembro , cita o relatório. A jovem de 20 anos, solteira, foi internada em hospital conveniado ao SUS em março do ano passado. Não fez consultas pré-natal, sofreu um aborto no dia 16 e morreu dois dias depois. Segundo os relatos colhidos pelo comitê, quatro meses podem ter se passado entre a tentativa de aborto e a perda do feto. O óbito pode ter acontecido em decorrência do mau atendimento. Por falta de vaga em uma unidade de terapia intensiva, ela foi transferida para outro hospital. A curetagem após o aborto demorou a ser feita. Minha filha já apresentava odor fétido no sangramento , relatou a mãe ao comitê. A jovem morreu com embolia pulmonar. Uma das cinco vítimas já era mãe. Outra já havia sofrido um aborto, três anos antes do último. A mais nova delas morreu depois de uma parada cardíaca. E a mais velha, durante a curetagem uterina. As constatações da PNA, que entrevistou 2.002 mulheres com idade entre 18 e 39 anos, revelam a necessidade de tratar o aborto como um caso de saúde pública. Entre as entrevistadas, 15% relataram ter feito o procedimento pelo menos uma vez na vida. Em termos proporcionais, as mulheres de 35 a 39 anos são as que mais o fizeram. Isso mostra o quanto o aborto é um fenômeno comum na vida reprodutiva das mulheres , conclui a pesquisadora responsável pelo estudo, Debora Diniz, que atua no Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, na Universidade de Brasília (UnB). Ao fim da vida reprodutiva, mais de um quinto das brasileiras já fez um aborto, como constatou a PNA. Boa parte das internações poderia ter sido evitada se o aborto não fosse tratado como atividade clandestina e se o acesso a medicamentos seguros fosse garantido , defende Debora Diniz. Fonte: Correio Braziliense – 06/09/2010

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