O primeiro dia do 1º Fórum Nacional Pró-SUS, promovido pelo Conselho Federal de Medicina e pela Associação Médica Brasileira (AMB), na sede do CFM, em Brasília, debateu os modelos de assistência à saúde no Brasil, o desfinanciamento do Sistema Único de Saúde (SUS) e formas de mobilização da classe médica. Na abertura, o presidente da autarquia, Carlos Vital, argumentou que o SUS é a maior política de saúde do mundo, só que precisa de um financiamento mais adequado. “Não existe uma solução simplista. Os problemas são crônicos e complexos, o que vai exigir do poder público a adoção de políticas públicas e não de governo, um efetivo combate à corrupção, uma competente administração, com rigoroso sistema de controle”, defendeu.

A primeira atividade do Fórum foi a conferência “Modelos de Atenção à Saúde no Brasil e no Mundo: Avanços e Desafios”, proferida pela professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro Lígia Bahia. Ao comparar os sistemas universais com os de mercado, ela concluiu que estes, apesar de custarem mais apresentam expectativas de vida menores do que àqueles. “Os Estados Unidos gastam muito com saúde, mas a saúde dos ingleses e canadenses é melhor”, afirmou.
Segundo Lígia Bahia, o aumento da longevidade se deve mais a ações vinculadas à saúde pública, como melhorias nutricionais e no saneamento básico, do que à presença de médicos. Apenas em áreas como cardiologia e oncologia é que o desenvolvimento da medicina pode incrementar as expectativas de vida da população. “Se não somos determinantes, para que os sistemas de saúde servem? Para tornar o mundo mais humanos. Para tratar as pessoas quando elas estiverem doentes em ambientes mais solidários”, afirmou a conferecista.

Lígia Bahia dividiu o sistema de saúde privado brasileiro em três setores: autônomo, que são os consultórios “que funcionam muito bem e deve continuar existindo”; o contrato pelo SUS, como as filantrópicas “que pode continuar, mas que precisa ser bem regulamentado”; e o subsidiado “que deveria acabar, pois compete com os recursos que deveriam ir para o SUS”. A professora da UFRJ mostrou-se preocupada com a proposta dos planos populares. “O grupo de trabalho criado pelo ministro é formado apenas por entidades empresariais, o que é uma má premonição”, alertou. Para Lígia, apesar de o SUS não ser uma maravilha, é o projeto adequado para a sociedade brasileira, capaz de melhorar as qualidades de vida da população.

Saúde da Família – Após a conferência, foi realizada a mesa redonda “Atenção Primária à Saúde”, que teve como primeiro palestrante o presidente da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, Thiago Trindade. Depois de fazer um histórico da implantação da Atenção Primária à Saúde no mundo e no Brasil, Trindade defendeu que o modelo deva ser baseado no atendimento integral e afirmou que o Brasil não tem um sistema universal público, mas um sistema privado.
“Enquanto nos países da OCDE a média de gastos anuais por pessoa é de US$ 3.500 por ano, aqui é de US$ 1.500. Nos países desenvolvidos, os gastos com saúde representam cerca de 10% do Produto Interno Bruto (PIB), sendo 70% de origem pública e 30% privado. Aqui, gastamos cerca de 8%, o que não é pouco, mas as famílias respondem por 60% e o governo com apenas 40%”, constatou.

De acordo com Trindade, o ideal é que um generalista atuante na medicina de família (ESF) seja responsável por cerca de 2 mil pessoas, sendo que no Brasil eles são responsáveis, em média, por a cerca de 4 mil vidas. Atualmente, a Atenção Primária em Saúde (APS) cobre 65% da população, com 40 mil equipes, formada majoritariamente por profissionais do Provab e do Mais Médicos, sendo este um sinal da fragilidade. Apenas em Curitiba e em Florianópolis o grau de resolutividade da ESF é de 90%, mas mesmo nos lugares em que a efetividade é baixa há redução da mortalidade infantil e no número de internações hospitalres por doenças crônicas. “O sistema é viável, só precisa ser melhorado, para tanto, é preciso aumentar o financiamento e radicalizar a ESF “, defendeu.

Mais Médicos – O diretor presidente da Associação Brasileira de Educação Médica e professor da Unicamp, Sigisfredo Brenelli, falou sobre os “Impactos da Lei do Mais Médicos na graduação e na residência médica para a atenção primária em saúde”. O professor criticou a abertura indiscriminada de escolas médicas e a forma açodada como foram aprovadas as mudanças curriculares que impuseram a obrigatoriedade de o estudante atuar na atenção básica como pré-requisito para obter uma especializaçãa. “Isso é serviço civil obrigatório”, definiu.

Brenelli também denunciou que a maioria das empresas que venceram os editais para abrir novos cursos de medicina são estrangeiras, que desconhecem a realidade brasileira. “Você vai olhar os projetos pedagógicos dessas escolas e 90% deles são iguais. Como vão saber formar os alunos para atuar na realidade brasileira?”, questionou.

Em seguida, o professor da Faculdade de Medicina da Universidade Católica de Brasília, Tiago Neiva, falou sobre “Atenção primária e a integração com a rede de urgência e emergência”. Segundo ele, a Atenção Primária em Saúde (APS) nunca teve a pretensão de resolutividade total e que ela é um lugar de assistência, mas também de promoção da saúde. Assim como no Brasil, as pessoas na Austrália, Inglaterra ou Canadá procuram a APS para tratar de doenças crônicas e de problemas como dores de garganta nas costas.

Para que o modelo funcione, Neiva defendeu um sistema integrado em rede assistencial, onde cada ente exerça sua vocação prioritária. “Dessa forma, teremos a promoção da saúde, mas também um atendimento integral”, defendeu.

Ação no Congresso – Em seguida, o deputado federal Mandetta (DEM/MS) fez uma conferência sobre “A Frente Parlamentar da Medicina e a Defesa do SUS”. O parlamentar explicou como funciona a correlação de forças no Congresso Nacional e pediu o apoio dos médicos brasileiros para o fortalecimento da Frente. “Temos de participar da política, caso contrário seremos atropelados. Não podemos nos eximir, pois é no Congresso onde as leis que irão reger nossas vidas serão aprovadas”, afirmou. Segundo Mandetta, existem hoje 39 deputados médicos, mas apenas quatro entendem que foram eleitos pela classe. “Sonho com o dia em que os médicos de cada estado farão prévias para decidir quais serão seus candidatos ao Congresso e se unirão para que essas pessoas sejam eleitas para defender a medicina”, afirmou.

“Eventos como este, promovido pelo CFM, são riquíssimos, pois ajudam a organizar a nossa luta em defesa da medicina e da boa prática médica”, elogiou. Mandetta avisou que existem vários projetos de lei tramitando na Câmara dos Deputados e no Senado Federal que atacam o ato médico. “São propostas que pretendem repassar para esteticistas, radiologistas e outras profissões, competências que são nossas. Temos de estar preparados para barrá-las”, defendeu.
O presidente do CFM, Carlos Vital, garantiu que a autarquia apoia e vai trabalhar pelo fortalecimento da Frente Parlamentar da Medicina. Também ressaltou que os médicos devem ficar atentos contra as tentativas contra o ato médico. “Temos tido vitórias na Justiça, mas o ideal é barrarmos essas iniciativas no Congresso Nacional”, informou.

Financiamento – A mesa redonda seguinte tratou do tema “Financiamento do SUS: dilemas atuais”. A primeira palestrante foi a presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde, Rosa Maria Marques, que falou sobre “As novas fases do desfinanciamento do SUS”. A economista começou sua fala criticando a proposta de emenda constitucional (PEC) 241/16, que pretende congelar os gastos públicos. “Se esta PEC tivesse sido aplicada entre 2013 a 2015, o SUS teria perdido R$ 257 bilhões no período, o que equivale a duas vezes e meia o montante gasto pelo Ministério da Saúde em 2015”, exemplificou.

Para a economista, não há como se falar em gestão, quando o desfinanciamento da saúde é tão grande. “O problema é que nunca fizemos uma opção verdadeira pelo SUS. O setor privado, que deveria funcionar como complementar, é um concorrente do sistema público, principalmente por meio da renúncia de receitas”, diagnosticou.

Judicialização – “A integralidade da assistência e a judicialização da saúde” foi o tema da palestra do desembargador federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região João Pedro Gebran Neto, que defendeu uma melhor alocação e racionamento dos recursos. “O gestor da saúde, principalmente o municipal, vive hoje um eterno dilema, já que os recursos são insuficientes para tantas demandas”, constatou.

Gebran Neto elogiou o posicionamento dos ministros do Supremo Tribunal Federal que até agora votaram no processo que trata da judicialização da saúde. “Temos de entender que a integralidade não é dar tudo para todo mundo. O que temos de garantir é que o SUS entregue aquilo que prometeu para que o pacote de serviços seja efetivado”, defendeu.

Controle – O coordenador-geral de auditoria da área de saúde do ministério da Transparência (antiga CGU), Adriano Augusto de Souza, explicou como funciona a fiscalização dos recursos da saúde e defendeu medidas que tornarão o sistema mais eficiente. “Temos de melhorar a estrutura burocrática, evitar o desperdício e a corrupção”, argumentou. Segundo ele, a União repassa os recursos, mas tem baixa capacidade de monitorização. Para o técnico, é preciso que as transferências para os fundos de saúde ocorram a partir da comprovação de que os recursos foram efetivamente utilizados.

“Infelizmente, realizamos várias operações de combate a corrupção, mas não conseguimos evitar que novos problemas ocorram no futuro”, constatou. Souza defendeu um melhor acompanhamento e mensuração dos resultados, melhor gestão dos riscos e maior transparência como forma de se melhorar o controle no uso dos recursos públicos.

A última palestra do dia foi do presidente do Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde (Conasems), Mauro Guimarães Junqueira, que falou sobre “O SUS na perspectiva do Conasems”. Ele afirmou que os municípios não têm mais como arcar com as despesas da saúde. “Nos últimos anos, a União diminuiu sua participação proporcional no financiamento da saúde, enquanto estados e municípios tiveram de ampliar, principalmente estes últimos. Enquanto a constituição estabelece que devemos destinar 15% da nossa arrecadação para a saúde, estamos destinando cerca de 22%. Em 2015, investimos em saúde R$ 24 bilhões além do mínimo constitucional. Todo o IPTU arrecadado pelos municípios foi usado na saúde”, reclamou.

Segundo o gestor da saúde, caso a PEC 241/16 seja aprovada, muitos serviços terão de ser descontinuados. “Cerca de 84 bilhões de procedimentos deixarão de ser feitos”, avisou. Ao final do primeiro dia do 1º Fórum Nacional Pró-SUS, o coordenador da Comissão Nacional Pró-SUS, Donizetti Giamberardino, elogiou a qualidade dos debates. “As falas foram muito esclarecedoras e estão permitindo que tenhamos uma visão mais ampliada sobre os problemas do SUS”.
Nesta terça-feira (4), o evento continua com debates sobre a contratualização no SUS e a carreira de Estado do Médico. Ao final, será aprovado um relatório final, com propostas para o setor.

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