Flávia Mantovani Costuma começar cedo. Para parecer mais velho, fazer tipo ou agradar aos amigos, o adolescente dribla aquele gosto de cinzeiro e disfarça os acessos de tosse até que ganha intimidade com o cigarro e passa a se sentir parte da turma. Com o tempo, a nicotina age, a dependência se instala e ele pode nem se lembrar de como tudo começou. Mas uma volta ao passado provavelmente vai mostrar que as primeiras tragadas foram dadas por influência alheia. Pois um novo estudo mostra que o mesmo raciocínio vale para parar de fumar: quando alguém abandona o vício, acaba contagiando outros fumantes em volta a largarem o cigarro. Publicado no “New England Journal of Medicine”, o levantamento acompanhou, por 32 anos, 12.067 pessoas, que tinham vínculos –familiares, profissionais ou de amizade. Os pesquisadores, das universidades Harvard e da Califórnia, constataram que as pessoas abandonam o vício em grupos. Os laços mais fortes detectados foram os de marido e mulher: no caso de cônjuges, o fato de um deles parar diminui em 67% a chance de o outro continuar fumando. Entre dois amigos, a redução é de 43%. Entre irmãos, a influência é menor: 25%. Já entre colegas de trabalho, o que o estudo mostrou é que depende do tamanho da empresa: nas pequenas, o fato de um funcionário parar reduz em 34% a chance de o outro continuar fumando. Nas maiores, não houve essa associação. “O trabalho mostra que as decisões de parar de fumar não são tomadas só por indivíduos, mas por grupos inteiros”, disse à Folha Nicholas Christakis, um dos autores do estudo. Segundo o pesquisador, a influência se dá de forma direta e indireta, entre pessoas que se conhecem e não se conhecem. No primeiro caso, é fácil perceber como isso acontece: uma pessoa pára de fumar e outro fumante próximo a ela se sente inspirado a parar também. “Chamamos de fenômeno da segunda onda. Quando a gente joga uma pedra na água, gera várias ondas e acerta uma superfície muito maior. Da mesma forma, quando se cria um ex-fumante, os outros percebem que ele conquistou algo novo e se estimulam a seguir o mesmo caminho”, compara o pneumologista Sérgio Ricardo Santos, coordenador do PrevFumo (Núcleo de Apoio à Prevenção e Cessação do Tabagismo), da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Segundo Santos, quanto mais próximo for o ex-fumante, maior costuma ser essa influência. “Dentro do núcleo familiar, é altíssima. Os pais estimulam muito os filhos e vice-versa. A relação entre marido e mulher é a mais forte”, diz. A auxiliar administrativa Priscila Bezerra, 24, e o gerente de contas Gustavo Sachi, 27, ainda são namorados, mas o exemplo dele foi decisivo para que ela abandonasse o cigarro. Quando eles se conheceram, os dois fumavam. Há dois anos, Gustavo decidiu parar “de um dia para o outro”. “Não traz benefício nenhum. O cheiro é ruim, você gasta dinheiro e faz mal para a saúde”, justifica. Depois que ele conseguiu, Priscila conta que o namorado, sutilmente, mandava recados. “Ele não chegou a falar para eu parar, mas me ajudou a cortar. Passou a reclamar do cheiro, do gosto, de quando eu ia comprar cigarro. Eu não podia mais fumar no carro dele. Tomei aversão ao cheiro e parei”, diz ela. Hoje, os dois comemoram. “Sinto mais o cheiro e o gosto da comida, meu condicionamento para os esportes aumentou”, diz Gustavo. Segundo Priscila, além de ser bom para ela, parar ajudou no relacionamento. “Melhorou a sintonia entre nós dois.” (fonte: jornal Folha de S.Paulo – 10.07.2008)

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