A viabilidade de criação de uma carreira de Estado do médico do SUS foi debatida na tarde desta terça-feira (4), em Brasília, no 1º Fórum Nacional Pró-SUS, promovido pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). A primeira palestra foi do professor do curso de medicina da Universidade Estadual do Rio de Janeiro Mário Roberto Dal Poz, que coordenou por dez anos a área de recursos humanos na Organização Mundial de Saúde (OMS), e falou sobre “A carreira médica em sistemas de saúde comparados”.

Para Dal Poz, três fatores influenciam a disponibilização de mão de obra em saúde em todo o mundo: estruturais, reformas liberais dos anos 1990 e a globalização. Entre os fatores estruturais está a desigualdade na distribuição geográfica, com concentração de profissionais nos grandes centros e dificuldades para fixação de médicos em locais distantes. Já as reformas liberais impuseram novas formas de contratação, com precarizações de vínculos; e a globalização proporcionou uma flutuação da mão de obra.

Como forma de levar médicos para localidades de difícil acesso, países oferecem incentivos especiais. “Na Austrália, por exemplo, são oferecidos atrativos, como um salário melhor e infraestrutura de moradia e acesso à internet para que o profissional fique uns cinco anos nesses lugares, mas não há uma carreira. Depois desse tempo, o médico é desligado”, explicou Dal Poz. De acordo ele, apenas a Espanha, o Chile e a República Dominicana têm carreiras nacionais para profissionais de saúde. Para o pesquisador, cada país deve criar um sistema adaptado à realidade local e uma carreira para o médico deve levar em conta os objetivos gerais para a saúde da população e não apenas a estabilidade dos servidores.

Demografia médica – A distribuição dos médicos no país foi o tema da palestra “Mercado de Trabalho em Medicina: situação atual e perspectiva”, proferida pelo coordenador da pesquisa Demografia Médica no Brasil, Mário Scheffer. Ele começou sua fala argumentando que antes da decisão sobre a criação de uma carreira de Estado para os profissionais de saúde, a sociedade deveria se perguntar sobre para onde vai o sistema de saúde. “A julgar pela perspectiva de aprovação da PEC 241/16, podemos dizer que o SUS está sendo colocado em xeque. Corremos o risco de termos diminuição dos direitos sociais, com uma crise política e econômica resultando em uma crise sanitária”, alertou.

Apresentando dados do estudo Demografia Médica, Scheffer falou sobre o aumento no número de médicos (serão 626 mil daqui a 10 anos), feminização e juvenização da medicina, remuneração, carga horária (mais de 75% dos médicos trabalham 40 horas semanais ou mais), concentração nos grandes centros e diversidade de vínculos empregatícios (51,2% dos profissionais trabalham concomitantemente nos sistemas público e privado), entre outros pontos abordados no estudo. “Temos na analisar todas essas variáveis para definirmos um modelo de carreira exclusiva”, aconselhou. Ele também ressaltou que o congelamento das vagas na residência médica, anunciado esta semana pelo governo, vai gerar um problema futuro, pois a cada dia se formam mais médicos, sem que eles tenham onde se especializar.

Scheffer afirmou que o SUS encontra-se hoje numa encruzilhada, pois ao mesmo tempo em que não conseguiu alcançar a universalidade com qualidade, não dá para o Brasil optar pelo modelo privado “que se mostrou caro e excludente” nos países em que foi implementado, como Estados Unidos e Colômbia.

Aumento de cobertura – O presidente da Associação Médica de Minas Gerais, Lincoln Lopes Ferreira, que falou sobre “Carreira de Estado no SUS: é uma alternativa viável?” foi na mesma linha de Mário Scheffer de que é preciso se pensar antes no sistema de saúde desejado. Segundo Ferreira, estudos mostram que o aumento na cobertura horizontal, com mais pessoas sendo atendidas, causa um impacto orçamentário em torno de 12% dos gastos. O que não acontece com o incremento na cobertura vertical, que consiste na incorporação de serviços mais sofisticados, a qual aumenta em 90% os custos da saúde.

“O programa Mais Médicos, independentemente da crítica feita em relação à contratação de profissionais sem a aprovação do Revalida, serviu para mostrar que é possível fixar médicos no interior”, concluiu. Para Ferreira, é possível pensar em um modelo de carreira médica para quem trabalha na atenção básica e a criação de especialistas móveis. Ele também defendeu uma regionalização dos serviços de saúde, já que é impossível um município com dez mil habitantes oferecer todos os serviços de saúde, e uma definição melhor sobre o que é responsabilidade do SUS. “Dizer que todo mundo tem direito a tudo é não dar nada a ninguém”, raciocinou.

Carreira Exclusiva – O coordenador da Comissão Nacional Pró-SUS, Donizetti Giamberardino, considerou como positivo o resultado do 1º Fórum Nacional Pró-SUS, que foi antecedido por três encontros regionais. “Nas discussões que fizemos, realizamos reflexões a partir de quatro eixos: carreira médica e valorização do profissional, financiamento da saúde, contratualização dos serviços e integralidade na assistência. Fizemos boas reflexões e elas serão incorporadas em um proposta, a ser apresentada como contribuição da classe médica para o fortalecimento do SUS”, afirmou. Para Donizetti, foi possível concluir que sempre haverá uma relação tensionada entre os médicos e os governantes quanto à necessidade de mais financiamento para a saúde, que é preciso mais transparência nos contratos entre os governos e os prestadores de serviço, que deve haver um combate efetivo à corrupção e ser valorizada a atenção básica.

No encerramento, o presidente do CFM, Carlos Vital, elogiou a organização do evento pela Comissão Pró-SUS e defendeu a criação da carreira exclusiva do médico do SUS. “Podemos discutir modelos, mas não há como negar a necessidade de uma carreira, principalmente, para quem trabalha na atenção básica. Os especialistas poderão atuar com outras formas de contratação, mas a população e os médicos que trabalham com medicina de família precisam da segurança de uma carreira”, argumentou.

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